VLT – Um avanço ainda incompreendido por muitos




O sistema de transporte urbano leve sobre trilhos é uma tendência mundial, e está presente na maioria dos países da Europa e em grandes metrópoles também nas Américas como é o caso, por exemplo, de Toronto, no Canadá. Seu objetivo maior não é o de ser um transporte de massa entre bairros, pois para isso já existem o metrô, os trens e os ônibus, mas sim o de integrar os demais modais existentes por se mostrar de fácil implantação e não oferecer risco aos transeuntes nas áreas mais movimentadas, como é o caso do centro das grandes cidades. Daí a razão porque são implantados, via de regra, bem no miolo dessas metrópoles, em vez de nos bairros.

Como tudo o que é novo e desconhecido pela maioria, ainda encontra resistências pelos que passaram a vida se locomovendo de carro já que não alcançam o entendimento de sua função, que é justamente a de desafogar o centro das cidades e livrá-las do grande fluxo de veículos poluentes pela circulação de um modal leve, silencioso, seguro e confortável que se integra ao cotidiano das pessoas sem agredi-las, além de permitir acesso fácil e descomplicado. O VLT carioca, por exemplo, superou todas as expectativas de aceitação. Basta ver como a linha 2 local recebe um número enorme de pessoas nos horários de pico pela estação da Central, que traz a população dos bairros mais distantes e de menor renda para o centro, e vice-versa. Quem os conheceu fora do país, porém, sabe que o uso dos VLTs vem sendo assimilado pela maioria dos cidadãos com enorme rapidez, nos moldes do que já se percebe com o VLT Carioca, tão logo se começa a descobrir os ganhos que oferece. Fica longe de se apresentar como um “elefante branco”, como querem fazer crer os opositores do sistema mais apegados ao uso diário e exclusivo de seus veículos. Traduzem-se antes por um avanço considerável de conforto e organização, com acessibilidade a todo tipo de pessoa e absolutamente seguro mesmo em tempos da crise de violência que assola o país,

A questão é que, por se tratar de uma novidade por aqui, as pessoas se apegam ao único modelo a que se acostumaram, recusando-se a experimentar qualquer outro diferente que o ameace, e daí a resistência principalmente por conta de desconhecimento e desinformação, sem esquecer – é claro – dos que o fazem por puro egoísmo, olhando apenas para o próprio umbigo em detrimento do bem coletivo. Só o tempo poderá mudar tal mentalidade na população como um todo, com a renovação proporcionada pela geração que já cresce com um olhar diferenciado para o bem comum, em lugar do sentimento retrógado que as prendia a um passado movido a gasolina, diesel e outros tipos de combustíveis nocivos e poluentes. O Brasil em particular, que já circulou sobre grandes redes de trilhos de norte a sul, acabou por priorizar as estradas de rodagem e hoje todos conhecemos o resultado dessa escolha: uma malha rodoviária sucateada, de gerenciamento quase impossível, e que encarece todo o transporte de carga que se aventura por estradas que trazem grandes estragos à economia e ao meio ambiente.

Um argumento contrário que se ouve com frequência contra os novos modais como o VLT seria o custo da passagem acima da capacidade da população de menor renda, o que é desmentido pela enorme movimentação dos usuários dos trens de subúrbio após a chegada do moderno bonde à Central, no exemplo do Rio de Janeiro. Os usuários dos trens suburbanos, em pouquíssimo tempo de uso desde sua inauguração, já lotam o VLT nos horários de chegada e saída do trabalho, e nesse tempo tão curto dobrou o número de usuários de quando só circulava a linha 1, entre a Rodoviária e o aeroporto Santos Dumont. Fica evidente que, tão logo todos passem a entender o objetivo do modal, a população também vai entender que trocar carros e ônibus por VLT passou a ser a alternativa mais acertada para despoluir os grandes centros e permitir maior integração entre os modais que partem das áreas periféricas para se cruzarem no centro das cidades, trazendo desordem urbana, poluição e engarrafamentos. E mesmo no que diz respeito aos custos de implantação, o preço do quilómetro do VLT chega a ser menos da metade do quilômetro do metrô, pois que não requer perfurações e nem desapropriações por onde passa. O que falta é divulgar mais esse propósito do modal, pois que no Rio só há pouco foi instalado o primeiro, e a população ainda não entendeu a que veio.

A partir da era industrial e de Ford, nos EUA, os automóveis tomaram conta do mundo, mas agora percebemos o custo levado ao planeta e à qualidade de vida das pessoas. O automóvel teve um tempo em que se mostrou útil mas, como tudo, caiu em desgraça e começa, pouco a pouco, a ser posto de lado pela tomada de consciência da população mundial. O Brasil, contrariamente ao que aconteceu no resto do mundo, se posicionou na contramão da história e optou por privilegiar estradas em vez de ferrovias, a indústria automobilística se expandiu sem controle e hoje pagamos um preço alto por termos feito a pior escolha.

Mas, como sempre acontece, tudo tem seu tempo para acontecer. E o automóvel, como qualquer outro meio, também vai ficar na lembrança como personagem de um período em que ainda era uma forma de se andar mais rápido, coisa que deixou de ser há tempos, como todos sabemos. Pelo andar da carruagem, em curto espaço de tempo o carro particular, como hoje o entendemos, será passado. Novas tecnologias já permitem que as pessoas se locomovam com muito mais eficácia e conforto, sem precisar fazer uso desse vilão em que ele se transformou e o qual, além de oneroso, traz todo tipo de efeitos colaterais largamente vivenciados por todos, principalmente nos grandes centros.

Quando o ar era bem mais puro e as cidades menos populosas, seu uso ainda se justificava. Mas atualmente já não faz qualquer sentido quando se estende a percepção para além do próprio umbigo, posto que novas formas de mobilidade se multiplicaram e sem a maioria dos efeitos colaterais que atingem de forma irreversível a saúde física e mental das pessoas e torna cada vez menos sustentável a vida nos grandes centros. Dentro de pouco tempo, para nossa satisfação, apenas os movidos a energia limpa continuarão existindo, e assim mesmo em número reduzido e como veículos de uso compartilhado por todos, modelo esse que se multiplica da mesma forma que as estações de bicicletas de uso comum, já implantadas em várias cidades brasileiras. O conceito de carro privativo para cada pessoa não cabe mais num mundo que já ultrapassa os 7 bilhões de indivíduos, e onde muitos ainda escolhem ter mais de uma unidade para seu uso pessoal, razão porque alguns países europeus e também do mundo oriental – bem mais desenvolvidos que o nosso – já começam a implantar sistemas em que o automóvel também, quando necessário, é apanhado em um ponto da cidade e deixado em outro, para que todos possam utilizá-lo de forma racional e inteligente.

Na maioria dos países mais avançados o número de ônibus circulantes vem diminuindo drasticamente e sendo substituído pouco a pouco por outros modais como o VLT, além de serem impostas muitas restrições ao trânsito de veículos particulares. As cidades vão sendo aparelhadas para estimular o uso de bicicletas, metrô e veículos leves que circulam sem causar danos, reservando aos ônibus que vêm dos bairros o papel de alimentadores da zona central, com seus pontos finais no entorno do centro e longe das áreas de maior movimentação no  deslocamento para o trabalho. Já nas regiões mais centrais a população passa a circular somente por ciclovias, vias subterrâneas e veículos leves sobre trilhos, privilegiando a movimentação livre de pedestres sem que precisem disputar espaço com os veículos. Esse é o conceito de mobilidade hoje levado às modernas metrópoles, e que um dia vai chegar também às demais. Que venha a modernidade em forma de uma maior qualidade de vida, então, e que fique no passado a anterior, estressante e poluente, que hoje já nos cobra a todos um preço muito alto.

Já é momento das pessoas aprenderem a pensar mais no coletivo do que continuar entupindo a cidade com milhares de veículos pela dificuldade de abandonar o comodismo – e até o status – proporcionado por seus carros. O povo brasileiro, como se sabe, ainda não atingiu um estágio de civilidade que lhe permita abrir mão de si mesmo em prol do coletivo, e isso inclui os espaços de convívio das cidades e qualquer coisa que se mostre diferente do que lhe dita seu comodismo pessoal. Para o bem da maioria, existe um esforço mundial para mudar essa realidade dificultando cada vez mais a vida de quem não larga o carro em casa, e é esperado que se aperte o cerco cada vez mais. O caminho adotado tem sido o de acabar com os estacionamentos públicos, colocar o preço dos privativos lá no alto pela redução da concorrência, espremer os carros entre os trilhos que vão ocupando os espaços e abrir mais passeios públicos onde antes havia avenidas, como ocorreu na Avenida Rio Branco, na capital fluminense. E muita gente escolhe continuar esperneando contra essa “compressão” imposta pela troca gradativa do pensamento individual pelo coletivo, como se não se constituísse no efeito desejado do processo de transformação urbana. E por não ter descoberto ainda que a idéia é essa mesma, segue reclamando que o trânsito piorou para ele e se vitimizando, em vez de olhar em volta e descobrir que o planeta precisa buscar saídas melhores,


E para esses que se desesperam com a perda de espaços para seus veículos privados, recusando-se a abrir mão deles, lamentamos muito informar: basta olhar em volta, mundo afora, para descobrir que essa tendência é definitiva e não tem volta. Ou se adaptam aos novos tempos ou vão morrer estressados no trânsito e ainda sufocados pela própria fumaça que ajudam a produzir. Então, que venham os novos tempos!

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